Tendo em vista o tema do Colóquio, “Democracia, discursos e antirracismo”, buscamos, nesse Grupo de Trabalho, pesquisas que abordem de que modo as religiosidades de matrizes africanas oferecem modos de se (re)pensar a política, a ética e a Relação no Brasil – inclusive no campo cultural, mas não restrito a ele.
Para isso, toma-se como ponto de partida, primeiramente, uma fala de Lélia Gonzalez em entrevista ao livro Patrulhas Ideológicas: “Veja, por exemplo, a noção de Democracia. Se você chegar num Candomblé, onde você pra falar com a Mãe de Santo tem de botar o joelho no chão e beijar a mão dela e pedir licença, você vai falar em Democracia? Dança tudo”. A provocação de Lélia desperta duas questões: 1) como a ideia de democracia foi construída e permanece, em boa parte do discurso hegemônico, como fim último para todos os povos e destino ideal dos Estados-nações, em detrimento da problematização de seu vínculo com o capitalismo enquanto regulador dos regimes políticos; 2) como as matrizes culturais africanas no Brasil e na diáspora, especialmente aquelas vinculadas às formas de religiosidade que se desenvolveram nesses espaços geopolíticos, podem contribuir para um debate que envolva questões éticas, políticas e sociais, inclusive no que concerne à democracia representativa, regime do qual foram historicamente alijadas pelos processos de colonização e comércio escravista; 3) como pensar religiosidade e democracia atualmente no Brasil tendo em vista a dominância e abrangência das religiões neopentecostais e as interseções com questões de raça e classe. De que maneiras pensar essas matrizes culturais para além dos usuais diagnósticos de influência e herança no campo mais amplo da cultura vinculada à nacionalidade – seja na literatura, nas artes plásticas, na culinária, na música, na dança e nas manifestações populares – mas também como matriz cultural, discursiva, política e ética. Quando Lélia diz que “dança tudo”, isso nos faz pensar em que tipo de movimento, de corporeidade, de dança mesmo, é possível apreender dessa relação que se forjou e continua se forjando, em vista de uma política porvir. Toma-se como referência, ainda, a noção de Relação em Édouard Glissant, que leva em conta os atravessamentos de raça, classe, gênero e nacionalidade sem se reduzir a eles, afastando-se de uma perspectiva essencialista, a qual parte de contextos culturais “puros” que se “misturam” e da “identidade como raiz”, e acaba reiterando o universal como valor. Glissant propõe que se pense a identidade como um sistema de relações, sem que isso implique uma diluição das especificidades, levando em conta, inclusive, as contradições. Isso não significa uma relativização, mas uma abertura para se pensar criticamente as relações em um país marcado pelo paradigma da mestiçagem afável e da afetividade como força amalgamante de síntese e sublimação das tensões (de raça, gênero e classe).
Palavras-chave: Democracia; Religiosidades; Lélia Gonzalez, Édouard Glissant.


